O Conexão Sociedade desta quarta-feira (16) conversou com a doutora Natalia Oliveira, advogada trabalhista, sobre a recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que determinou a suspensão de todos os processos em andamento que tratam da chamada “pejotização” do trabalho.
A advogada explicou que, cada vez mais, empresas têm optado por contratar trabalhadores como pessoas jurídicas, obrigando-os a abrir um CNPJ para que possam prestar serviços. Essa prática, segundo ela, representa uma manobra para burlar a legislação trabalhista, afastando o trabalhador das garantias previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o direito a férias, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego e proteção previdenciária em caso de acidente de trabalho.
Ela ressaltou que essa imposição por parte das empresas tem provocado um aumento expressivo no número de ações judiciais nas quais os trabalhadores tentam provar que, apesar do contrato como pessoa jurídica, a relação mantida com o contratante atende a todos os requisitos de um vínculo de emprego.
Natalia lembrou que, desde a reforma trabalhista e sua revalidação pelo STF em 2018, as empresas passaram a ter permissão para terceirizar não apenas suas atividades-meio, mas também suas atividades-fim. No entanto, pontua que o problema não está necessariamente na terceirização, e sim nos contornos que ela assume na prática.
De acordo com a advogada, o STF pretende analisar três pontos centrais envolvidos nesse tipo de contratação. O primeiro é definir a quem cabe o ônus da prova — ou seja, quem deve comprovar se há ou não vínculo empregatício. O segundo ponto trata da legalidade do contrato de prestação de serviços firmado sob a lógica da pejotização. E o terceiro ponto diz respeito à competência para julgar essas ações.
O STF já teve decisões que transferem inicialmente o julgamento para a Justiça comum estadual, determinando o envio do processo à Justiça do Trabalho apenas após a comprovação do vínculo — algo que, segundo ela, é um contrassenso, já que é a Justiça do Trabalho a mais preparada para lidar com esse tipo de situação.
Natalia destacou que a CLT define quatro elementos essenciais para caracterizar o vínculo empregatício: o trabalho deve ser prestado por pessoa física, com pessoalidade — ou seja, não pode ser executado por outra pessoa; deve haver onerosidade, com pagamento de salário; subordinação, com o cumprimento de regras e orientações do empregador; e habitualidade, ou seja, o exercício da atividade de forma frequente e contínua. Quando esses requisitos estão presentes, há vínculo de emprego, e, portanto, o trabalhador tem direito à proteção prevista em lei.
A advogada alertou ainda para os efeitos negativos que esse tipo de contratação pode gerar a longo prazo. Muitas vezes, o trabalhador acredita que está tendo algum ganho, por supostamente receber mais como PJ, mas, na realidade, está abrindo mão de uma série de direitos importantes. Sem o vínculo empregatício formal, ele deixa de receber benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS e não conta com a proteção previdenciária em casos de doença, acidente de trabalho ou desemprego.
Segundo ela, é raro que trabalhadores que recebem um salário mínimo contribuam regularmente de forma individual para o INSS. Natalia também chama atenção para as perdas em relação à representação sindical e aos acordos coletivos de trabalho, que deixam de ser garantidos quando o trabalhador atua como pessoa jurídica.
a advogada avalia que, desde a reforma trabalhista, o Direito do Trabalho vem enfrentando desafios significativos em relação à proteção do trabalhador. Ao fazer um comparativo com legislações de outros países, ela pondera que o Brasil enfrenta um cenário particular, com muitos obstáculos a serem superados para assegurar, de fato, a dignidade nas relações de trabalho.