Mesmo que a abolição da escravatura tenha ocorrido em 13 de maio de 1888 pela Lei Áurea, em pleno ano de 2022 como dizem, ainda surgem registros de trabalhos análogos a escravidão. Na Bahia, por exemplo, entre os anos de 2017 e 2022, 315 trabalhadores e trabalhadoras foram resgatados de trabalho análogo ao de escravo em 64 ações. 68 deles somente neste ano de 2022.
O trabalho análogo a escravo, segundo definição dada pelo Ministério Público do Trabalho, é quando um trabalhador tem que cumprir jornadas excessivas de trabalho ou atuar em ambientes insalubres, sem condições mínimas de saúde e segurança, está em condições análogas à escravidão.
Nesta segunda-feira (19), o Sociedade Urgente, programa da Rádio Sociedade da Bahia, recebe o auditor-fiscal do trabalho, chefe da seção de Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho na Bahia, Maurício Passos de Melo, que vai falar sobre trabalho escravo: combate, libertação de trabalhadores e denúncias.
Após explicar o que configura um trabalho que seja análogo a escravidão, Maurício informa que nos últimos três anos, houve um aumento de denúncias e do número de pessoas resgatadas desse tipo de trabalho ilegal.
“Entre em 1995 e 2020, nós tivemos em todo Brasil dois resgates de trabalhadores domésticos, e nos últimos 3 anos as denúncias começaram a chegar. Na verdade, a sociedade entendeu que muitas das vezes, aquelas situações que podem ser encontradas e muitas das vezes associadas a uma pessoa da família, que estava ali ajudando, entendeu que de fato é possível configurar [em alguns casos] um trabalho análogo a escravo. Então, houve um crescimento muito significativo do número de trabalhadoras domésticas resgatadas nos últimos três anos”, informou o auditor-fiscal do trabalho.
Ele menciona que na configuração deste tipo de trabalho está a falta de pagamento, o indivíduo permanece na residência dos seus patrões em condições difíceis, é submetida a jornadas de trabalho exaustivas.
Confira a entrevista e o programa na íntegra:
Último registro na Bahia de trabalho análogo à escravidão:
35 anos de trabalho análogo à escravidão. Este foi o tempo que a trabalhadora doméstica, de 59 anos, resistiu até ser resgatada por Auditores-Fiscais do Trabalho (AFTS) no município de São Gonçalo dos Campos, a cerca de 100 quilômetros de Salvador. O resgate ocorreu no último dia 30 de novembro em uma casa localizada no centro da cidade, mas as informações somente foram divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência no dia sete de dezembro.
O vice-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho do Estado da Bahia (SAFITEBA), Rivaldo Moraes, destaca que a doméstica é mais uma vítima da triste história da escravidão que ainda é perpetuada na sociedade brasileira.
Ela e seus familiares serviram a duas gerações dos empregadores. A mãe, já falecida, trabalhava em uma fazenda da família sem receber salários. O irmão, que também realizava serviços domésticos, conseguiu fugir aos 27 anos de idade.
“Apesar da lei do ventre livre ter sido editada em 1871, a partir de quando os filhos dos escravizados nasciam libertos, tanto esta trabalhadora, quanto a sua mãe e seu irmão escravizados vinham sendo escravizados desde o século 20. Uma triste história que precisa de um ponto final”, observou Rivaldo Moraes.
A Auditora-Fiscal do Trabalho, Gerúsia Barros, que atuou na operação de resgate ao lado da AFT Tatiana Fernandes, explica que o trabalho análogo à escravidão é tipificado pela submissão de pessoas a condições degradantes, a jornada exaustiva, a servidão por dívida, a restrição de liberdade e o trabalho forçado. Atuando em Feira De Santana e em mais 93 municípios, ela alerta como a sociedade pode colaborar no combate à escravidão contemporânea.
No resgate realizado em São Gonçalo dos Campos, a família não reconheceu o vínculo de emprego com a doméstica, mas a inspeção realizada no local de trabalho e moradia da vítima e a coleta de depoimentos, confirmaram que a doméstica sofreu maus tratos, violências psicológicas e violações de direitos.
Também foi verificado que os empregadores realizaram algumas contribuições previdenciárias para a vítima como contribuinte individual, em atividades que ela nunca exerceu, como manicure e cabeleireira, e conseguiram receber auxílio-doença e, posteriormente, após negativa do INSS, aposentaram a mesma por invalidez judicialmente.
Sistema Ipê:
O Sistema Ipê é um sistema para coleta, concentração e tratamento das denúncias de trabalho em condições análogas às de escravo no território brasileiro. Com a atualização, o sistema ipê poderá realizar o controle de denúncias de forma mais ágil e eficiente, permitindo uma melhor organização da força de trabalho.
As denúncias poderão ser atendidas de forma mais rápida, sendo priorizadas aquelas que possuem um indicador de maior gravidade que pode levar à constatação de condições análogas às de escravo. E, ainda, tornar a ferramenta acessível aos migrantes, dado que poderá em ser acessada em mais 3 idiomas além do português, a saber: inglês, espanhol e francês.
Com os algoritmos desenvolvidos para o sistema, este poderá triar previamente toda a informação e fazer uma qualificação prévia, gerando mais eficiência na eleição das demandas que serão atendidas pela fiscalização, na medida em que a inspeção do trabalho poderá direcionar os esforços de maneira mais célere e eficaz para os casos que apresentarem maior indícios de trabalho em condição análoga à de escravo.
Foto: Divulgação/SRT-BA