Adelson Carvalho entrevistou nesta sexta-feira (1) véspera de feriado, a Historiadora e pesquisadora sobre a arte cemiterial, Luciana Onety que elucidou os mistérios da morte
A cultura da morte e a arte cemiterial envolvem tradições, simbolismos, e expressões artísticas ligadas à morte e aos rituais funerários. Estes temas são parte importante da história, pois refletem as maneiras como diferentes sociedades ao longo dos tempos compreenderam a morte e a vida após ela.
A historiadora conta sobre o seu primeiro contato com a morte, “Eu tinha muito medo de morrer, eu tinha pavor da morte. E aí quando eu tinha por volta de 14 anos, eu vi minha avó morrer, eu estava presente quando minha avó faleceu, ela estava rodeada dos 11 filhos, eu estava assistindo e isso me traumatizou muito.”
Luciana também explica como se apaixonou pelos mistérios da morte logo no início da vida acadêmica, ressaltando a grande importância da literatura funébre e exaltando o grande autor João José Reis
“Uma vez eu encontrei um livro na biblioteca da Católica, chamado A Morte é uma festa, do autor João José Reis, um dos maiores historiadores do Brasil, quiçá do Mundo. E eu disse, ‘Não é possível, a morte nunca poderá ser uma festa’ aí eu puxei para ler esse livro e esse livro marcou a minha vida, porque desse dia em diante eu disse, ‘É isso que eu quero fazer da minha vida, eu quero estudar sobre a morte’, tudo que eu puder abarcar sobre esse assunto.” conta.
Terno dos Mortos
A tradição que foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da historiadora, foi o Terno das Almas ou dos Mortos, que acontece na vila garimpeira de Igatu,na região da Chapada Diamantina. Essa manifestação ocorre sempre nessa época do ano, no período da Quaresma, durante todas as segundas, quartas e sextas-feiras, às oito horas da noite, tendo como ponto de partida a praça da cidade. É uma manifestação popular, que sobrevive há séculos nas cidades de Mucugê, Lençóis e Igatu.
“E eu fui lá pessoalmente, fiz minha pesquisa lá, fiz várias visitas, participei do Terno dos Mortos por duas vezes. É uma celebração para os mortos, onde as pessoas da vila, eles se reúnem e eles saem na quarta-feira de cinzas, aliás, eles saem por 40 dias, mas eles vão a 7 pontos da vila para invocar os mortos, ao som de uma matraca na mão, ali eles chamam as almas para rezar por elas, é bastante interessante.” relembra Luciana Onety.
Medicalização da Morte
A medicalização da morte refere-se ao processo pelo qual a morte, que tradicionalmente era vista como um evento natural e, em muitos casos, familiar, passou a ser gerenciada e controlada principalmente por profissionais da medicina, em ambientes clínicos e hospitalares. Antigamente, a pessoa ficava em casa sendo velada e depois era levada para igreja para ser sepultada ou para um cemitério.
“Agora, com a medicalização da morte, o que é que está acontecendo agora?! Vamos pensar aqui, como é que as pessoas morrem normalmente? Não estou falando de violência, um parente nosso adoece, o que é que acontece com ele? Morre no hospital, e conforme ele vai ficando pior, ele sai do quarto e vai para onde?! Para UTI, e na UTI a família fica? Então, o que acontece com a medicalização da morte é que estamos se distanciando do morto, a gente não quer mais ficar perto dele, a gente está se distanciando da morte, está ficando mais frio e pragmático. A pessoa morre, você faz o velório, despacha, sepulta ou crema, seja o que for e acabou.” alertou a historiadora.
Campo Santo
Um dos mais antigos e tradicionais cemitérios da cidade de Salvador, localizado na Federação, é o Cemitério Campo Santo, mas nem sempre ele foi aceito pela população soteropolitana do século XIX.
“Dois dias depois da inauguração, o Cemitério Campo Santos foi destruído em 1836 pela população, porque as pessoas se negavam a ser enterradas no cemitério. Isso porque a cidade só ia até o Campo Grande, então, a partir do Campo Grande tudo era fora do muro da cidade, e o espaço ficava na Federação, além dos muros da cidade.” esclarece Onety
Ainda de acordo com Luciana Onety, “Então, eles não queriam ser enterrados longe da igreja, eles queriam continuar sendo enterrados na igreja. Quando o cemitério é construído por uma empresa, eles se reúnem ali na Praça do Palácio, ali onde tem a prefeitura, e mais ou menos 4 mil pessoas se reúnem ali e vão em direção a Federação com gritos de ‘Morra o cemitério’, e destroem o cemitério.”
Anos mais tarde, os empresários foram indenizados, a Santa Casa adquiriu os direitos daquele local e reconstrói o cemitério. Houve uma epidemia de cólera na cidade em 1855 e as pessoas entendem que é importante as pessoas serem enterradas fora da cidade, tendo em vista as informações da medicina sobre os riscos de contaminação.
Assista na íntegra no canal da Rádio Sociedade da Bahia: