A Faculdade Santíssimo Sacramento, da cidade de Alagoinhas, a 115km de Salvador, proibiu a permanência de crianças na instituição. A medida, justificada com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem gerado repúdio entre estudantes e entidades, por impedir que mães que conciliam estudo e cuidado dos filhos frequentem o espaço acadêmico.
A decisão foi publicada na quarta-feira (15), em um perfil da faculdade nas redes sociais. De acordo com informações de estudantes, professores já reclamavam da situação há algum tempo. Camila Maia, de 22 anos, estudante do 6º semestre de Direito, contou que:
“O coordenador do curso, que nesse tempo também era meu professor, falou que não era ideal levar criança para sala de aula, afirmando que teria assuntos em sala que não era recomendado serem debatidos na frente de crianças. Desse dia em diante eu comecei a não levar ela todas as quintas-feiras, que era quando eu tinha aula dele”, destacou.
Camila é mãe de uma menina de 2 anos e leva a filha para a universidade desde os 3 meses de idade. “Levava ela com bastante frequência quando era bebê de colo por conta da amamentação. Aí, no decorrer do tempo, quando ela foi crescendo, eu consegui pagar uma babá e fui levando ela com menos frequência. Porém agora me encontro em uma situação financeira complicada, e preciso voltar a levar minha filha para conseguir me formar”, destacou.
Camila diz que nunca chegou a ser impedida formalmente, mas ouviu muitas reclamações. Por esse motivo, passou a “fugir” para não ser vista com a filha na instituição por aqueles que já a haviam advertido. Assim como ela, outras colegas enfrentam a mesma dificuldade. “Hoje (quinta-feira, 16) eu tenho aula. Infelizmente não vou, pois não tenho com quem deixar minha filha.”
A instituição utiliza o ECA para justificar a medida, alegando que, de acordo com o Estatuto, “pais e comunidade devem oferecer a crianças e adolescentes um ambiente adequado para seu desenvolvimento”, e que, considerando isso, os espaços acadêmicos da instituição são planejados para pessoas adultas.
O argumento gerou o repúdio do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), que considera que houve distorção do conteúdo e do espírito do Estatuto, além de se tratar de um ato discriminatório e excludente. “O ECA não proíbe a presença de crianças em espaços públicos ou privados, tampouco estabelece qualquer impedimento à sua permanência em instituições de ensino superior”, destacou o órgão.
O CMDCA afirmou ainda que, “ao invés de restringir o acesso e permanência de crianças, a Faculdade Santíssimo Sacramento poderia adotar medidas de acolhimento,orresponsabilidade, como a criação de uma creche universitária, que funcionaria como campo de estágio para estudantes de Pedagogia e Psicologia”, e solicitou que a instituição reveja e revogue imediatamente a proibição.
Em nota, a faculdade disse que o comunicado buscou, exclusivamente, atender a questões de segurança e adequação dos espaços acadêmicos, projetados para o público adulto. Afirmou ainda que reconhece que a forma como a mensagem foi interpretada despertou preocupações legítimas, que acolhe essas manifestações com empatia e escuta aberta, e que casos omissos ou situações específicas serão avaliados pela direção mediante requerimento, zelando principalmente pela segurança das mães, dos pais e de seus respectivos filhos.
Esse tema suscita debates e inclusive tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 336/23, que busca assegurar ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, o direito de acesso e permanência de seus filhos ou pupilos no estabelecimento durante as aulas. O texto ainda não foi aprovado.